quarta-feira, 7 de abril de 2010

Memórias - Mãe Cleusa- Camisa Verde de Branco

Memórias - Mãe Cleusa



Aos treze anos foi dançar com pessoas importantes na época: Solano Trindade, Batucajés e Bene, começando a aprender primeiro sobre o folclore do Brasil porque Solano Trindade tinha uma fundação no Embú, onde se aprendia a dançar para fazer shows em SP e em todo o país e, depois do Bene, começou a trabalhar com os grupos de samba que faziam shows.

" Na época o forte era São Paulo, mas viajávamos muito, tanto que trabalhei com o Quinteto Pagão e Acadêmicos da Paulicéia, embora o primeiro em sua formação original composta por três integrantes; Trio Pagão. Em seguida fui fazer shows no Vila e no Bear Halley até que cheguei às escolas de samba. Primeira foi o Paulistano da Glória, embora já tivesse conhecimentos do Vai-Vai através do Paulo Valentim. Fui para uma festa no Paulistano, no batismo do cordão, onde fora pensado em tudo para a realização do evento, menos na porta-bandeira. Eu e o Ted, que era do Vai-Vai, na ausência de um casal de mestre-sala e a porta-bandeira, formamos o casal e fomos batizados pela querida Dona Sinhá e a Xina, porta-bandeira do Vai-Vai na oportunidade. Fiquei no Paulistano como relações públicas organizando as festas e como rainha de bateria, posto que, a partir daí, foi que surgiu a história com o Pérola Negra. Certa vez, em um baile no Paulistano da Glória, que existia para os universitários às sextas-feiras, foi decidido fundar o Pérola Negra.

O Geraldo Filme, que era diretor do Paulistano, me levou para o Pérola no objetivo de colaborar na montagem da escola, portanto, considero ser também uma das fundadoras, tanto que no pavilhão da escola há a representação da minha imagem. É a maior honra em minha vida, representar uma escola de samba através do seu símbolo maior, o pavilhão. Uma história viva e atuante! Cheguei ao Camisa, mesmo sendo Camisa há anos, em 1974, porque antes não mantinha uma relação por falta de oportunidades e, sob o comando do Mestre Lagrila, após o encerramento do Paulistano da Glória, ingressei na corte verde e Branco e permaneci até 1990, como rainha sem ser necessário o uso de faixas para designar a minha função na entidade. Sempre me dediquei e me comportei com muito carinho e respeito. Em meio a tudo isso fazia o meu trabalho de passista no Super Som Tear e voltei ao Bear Halley como coordenadora e produtora de shows. No Peruche exerci o mesmo trabalho, após segui para o Anhembi como coordenadora das meninas que concorrem ao cargo de rainhas e princesas do carnaval paulistano. Cargo esse ocupado até os dias de hoje.

Na época do cordão a rivalidade entre Camisa e Vai-Vai era bastante forte, pois o Seu Inocêncio e o Hélio Bagunça saíram da Barra Funda com destino a Bela Vista e "roubaram" duas figuras importantes de lá, principalmente, a Dona Sinhá. Importante é que o samba vence todas as barreiras e as pessoas estão se reciclando. Muitos novatos querem aprender a realidade do samba raiz e cabe aos alicerces do samba, aos mais antigos ensinar, desde que haja interesse dos novos em quererem aprender. E devido a esses valores estou com um projeto de resgate do samba Paulista e suas raízes, batizado "Projeto Raiz". Tantos nomes figurativos no samba Hélio Bagunça, Seu Nenê, Carlão do Peruche... Precisamos aproveitar as histórias e experiências porque Seu Inocêncio, Geraldo Filme, Pato N'água, deixaram um legado muito rico, mas infelizmente já se foram, agora eles são luz.

São Paulo não pode e nem deve continuar sendo à sombra do Rio de Janeiro, porque cada lugar tem os seus valores próprios, por exemplo: uma passista não tem apenas a função de se vestir em trajes minúsculos e ficar rebolando a frente de uma bateria e, para piorar, são chamadas pejorativamente de "mulatas". A passista é dançarina, bailarina e pode ser um cartão postal da entidade se tiver postura e discernimento, porque ela faz parte da cultura do samba, samba-de-roda... Não podemos banalizar a função dessas beldades, cabendo a elas apoiar-se no fundamento e importância dentro da estrutura organizacional do espetáculo, afinal todo pavilhão almeja o respeito. Os grandes passistas de São Paulo, dentre tantos outros: Hélio Bagunça, Feijoada, Torrada, Oswaldinho da Cuíca, Toniquinho Batuqueiro, que além de serem grandes passistas, sambistas, cidadãos samba, são embaixadores, exemplos de dignidade no samba e fonte de ensinamentos. Não representam apenas as escolas de samba de cada um, mas o samba de São Paulo. Hoje, Seu Carlão, Armandinho, Geraldinho... são pessoas que, embora, valorosas, caíram no esquecimento e abandono. E as passistas femininas como a Jussara; Guga, a rainha do povo e passista do milênio titulada e aclamada por todas as escolas de samba e presença obrigatória em todos os desfiles de todas as escolas de samba, ainda que, de coração verde e branco; as gêmeas Lúcia e Cristina, hoje morando na Europa porque não foram reconhecidas; Sueli Farias, uma grande incentivadora que mesmo não sendo uma grande passista foi fundadora do Dengo das Mulatas junto com a Graça, a Guta e as Mulatas de Bronze. Todas, realmente, dançarinas que não faziam modelinho, dançavam horas e horas.

O quitandinha onde eram preparados os grandes passistas: Leda, Almeirinda, Maria Alice que junto comigo integrava o grupo do Hélio Bagunça, Chic Samba Show, no qual o Hélio inovou nos colocando a exercer todas as funções, não só dançar, mas tocar os instrumentos, de cantar e de embelezar os grupos. Atualmente, a Giseli e o Criolé são os grandes nomes, por quê? Porque a Gisele vai procurar a história, vai alimentar a si mesma de conhecimentos e faz da vida dela o samba um ofício. Hoje é a melhor ou uma das melhores em São Paulo. Na Leandro de Itaquera temos a passista de ouro com apenas quinze anos, mas vejam o que essa garota faz; na Mocidade Alegre nós temos a The Best, uma passista nata, não só uma "mulatinha".

O samba é rico, por isso, o projeto Renovação das Raízes Autênticas do Samba Paulista é dedicado ao imortal Geraldo Filme. Estou certa que ele está feliz. Geraldo sempre ensinou que devemos propagar a história do samba raiz, na finalidade de não ser descaracterizado. Um nome que ficará, ou melhor, está gravado na história dos anais do carnaval paulistano. A nossa raiz vem do samba de Pirapora, Vale do Paraíba, Tatuí, interiores e baixada santista e, portanto, se as pessoas procurarem saber das raízes do samba paulistano, essas nunca mais farão comparações com o samba carioca ou do nordeste. É necessário amar os pavilhões, querer aprender, pesquisar e principalmente, ter humildade para aprender.

O carnaval virou um grande marco, cresceu e se profissionalizou. Algumas pessoas não vivem mais de amor pela escola, infelizmente. Raras são essas pessoas, por outro lado, as escolas procuram por profissionais e esses, são bem pagos. É tanta maravilha que o samba me proporcionou que me sinto uma privilegiada. Dona Sinhá, minha madrinha que virou luz, era mulher de fibra, de resolver os problemas e conduzir a todos nós. Brigava na hora certa, mas sempre se fazia presente, dando-nos muito carinho nos momentos necessários. Seu Inocêncio que puxava as nossas orelhas para tomarmos um rumo certo e em qualquer atitude diferente ambos sempre estavam atentos.

Atentos à comunidade, luzes que se fazem presentes até hoje no Camisa Verde. Tobias era paizão, amigo, companheiro que puxava as orelhas como o pai; na época, em dia de carnaval, ele ficava na pista fiscalizando a gente. Ele e o Hélio Bagunça cruzavam os braços, balançando a cabeça, apontava os dedinhos e dizia: "Daqui a pouco a sua escola está lá atrás e eu quero só ver se você não vai estar presente". Eu, a Guga e a Sueli fazíamos shows em todas as escolas, mas não importava o tempo que estávamos na pista sambando, porque ele tinha certeza que na hora da Barra Funda nós estaríamos lá. O sorriso dele era inconfundível e o amor, o respeito e o carinho conosco e com o nosso pavilhão incomparável. Segundo as palavras da Presidente Magali dos Santos: “- Cleusa, você é o cartão de visita da Barra Funda". Todos sabem que eu executo trabalhos em todas as escolas, assim como que o meu coração é verde e branco. Sempre que se cantar o samba "Sou Verde e Branco, até a morte!" eu sempre hei de me identificar.

O meu desfile inesquecível, o que choro ao recordar, é Negros Maravilhosos, síntese do samba, da raiz, do enredo, da cultura e da cidadania e Boa Noite São Paulo, nesse os compositores conseguiram dizer tudo o que é a noite a nossa paulicéia desvairada. Um samba cantado em todas as escolas de samba, um convite da Barra Funda para amar, curtir a nossa cidade e o nosso carnaval.

Hoje é Embaixatriz do samba.







Rebele-se
contra o racismo !!!!

Texto enviado por email, de Roberto de Oliveira , sobre o falecimento de mãe Cleusa ao dia 02/03/2010.